Proibição de máscaras em protestos
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Proibição de máscaras em protestos

Em setembro de 2013, o Diretório Regional do Partido da República (PR/RJ) e a Seccional do Estado do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil ingressaram com duas representações de inconstitucionalidade com o objetivo de impugnar a lei do estado do Rio de Janeiro nº 6.528/13, que regulamentou o direito de protesto no estado estabelecendo contornos restritivos a esse direito.

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Entenda o caso

Em setembro de 2013, o Diretório Regional do Partido da República (PR/RJ) e a Seccional do Estado do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil ingressaram com duas representações de inconstitucionalidade com o objetivo de impugnar a lei do estado do Rio de Janeiro nº 6.528/13, que regulamentou o direito de protesto no estado estabelecendo contornos restritivos a esse direito.

Referida lei foi publicada em setembro de 2013, no âmbito dos protestos populares que vinham ocorrendo naquele ano, e dispõe sobre diversos assuntos pertinentes à temática dos protestos, tais como: proíbe o uso de máscaras, exige aviso prévio à autoridade policial antes da realização de qualquer reunião pública para manifestação de pensamento, além de conter vedação expressa ao porte de quaisquer armas e regulamentar a atuação da polícia.

Foi apontado pelos requerentes, em resumo, que a lei limita a liberdade de manifestação do pensamento prevista no inciso IV do art. 5º da Constituição Federal de maneira excessiva e desproporcional, bem como introduz restrições ao direito de reunião não previstas pela Constituição. Além disso, alegam que não seria permitido instituir novas limitações, a não ser no estado de defesa ou sítio (CRFB/1988, arts. 136, § 1º, I, a, e 139, IV). Ressaltam, ainda, que não haveria anonimato quando o manifestante está fisicamente presente na reunião, hipótese em que deve se identificar, uma vez instado pelas autoridades policiais. Segundo eles, proibir o uso de máscaras significaria cercear a liberdade de expressão.

As representações foram julgadas improcedentes pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 10 de novembro de 2014. O Diretório Regional do Partido da República interpôs, então, Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, que foi inadmitido na origem, ao que se interpôs agravo de instrumento. Em análise de Repercussão Geral, em agosto de 2016, o Relator Luís Roberto Barroso entendeu tratar-se de discussão relativa aos limites da liberdade de expressão, uma vez que envolve o anonimato e a liberdade de reunião.

Após a decisão que reconheceu a repercussão geral, a ARTIGO 19 protocolou pedido de admissão como amicus curiae na data de 4 de agosto de 2017, que até o momento não foi julgado.

Vale destacar a atualidade e relevância da discussão frente a um contexto social de efervescência política e protagonismo das manifestações públicas como fóruns de debate e reivindicação, bem como de evidente mudança dos próprios perfis e dinâmicas dos protestos sociais, o que torna ainda mais significativos os efeitos de decisões acerca das referidas liberdades constitucionais e seu exercício.

Nossa posição

A Constituição Federal de 1988 prezou pela máxima proteção aos direitos fundamentais e correlata garantia do seu exercício. Tal garantia é confirmada por diversos dispositivos e, no presente caso , revela-se especialmente na redação do art. 5º, XVI, que ao disciplinar o direito de reunião, impõe poucas, e razoáveis, condições – as reuniões devem ser pacíficas, sem armas, e devem ser precedidas de aviso prévio, cujo único fim deve ser impedir que uma reunião frustre outra e que o poder público - ao ter ciência de uma manifestação - possa garantir a realização do protesto. Isso significa que eventual regulamentação da matéria deve se ater ao sentido original do dispositivo constitucional, de forma a não impor restrições que não dialoguem diretamente com seu conteúdo.

Este entendimento está em conformidade com todo o conjunto de padrões internacionais relativos aos direitos humanos, na medida em que, ao reconhecer a importância desses direitos, estipulam parâmetros rígidos para qualquer eventual restrição. A partir disso a ARTIGO 19 defende, na qualidade de amicus curiae, que a proibição geral do uso de máscaras em manifestações é uma limitação excessiva e desproporcional, pois não há associação necessária e direta destes dispositivos com a ideia de violência ou cometimento de atos ilícitos.

Importante ressaltar que a vedação ao anonimato trazida pela Constituição Federal (art. 5º, inciso IV) visa possibilitar a identificação do indivíduo para eventual responsabilização. Trata-se de medida de responsabilização “a posteriori”, ou seja, após a ocorrência do fato, uma vez que o cerceamento do direito de liberdade de expressão de maneira antecipada acarretaria em censura prévia, o que é proibido pela Constituição Federal de 1988.

Diante disso, conclui-se que a utilização de máscaras em protestos não configura anonimato, pois não impede a identificação do manifestante para que seja responsabilizado futuramente, caso venha a cometer algum ato ilícito. As autoridades dispõem de diversos meios, como a simples requisição de documentos, para cumprir este propósito de forma menos intrusiva aos outros direitos em questão em um protesto.

Ainda, a utilização de máscaras pode servir a diversos fins legítimos, inclusive relativos à proteção dos indivíduos contra atos do próprio Estado, que vem consolidando um cenário já pouco receptivo às manifestações. Por estes motivos, a proibição prevista pela lei estadual do Rio de Janeiro, e que deve ser discutida no âmbito do Supremo Tribunal Federal, revela-se em desconformidade com a própria Constituição, e com diversos padrões internacionais que a complementam.

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