“Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.

O parágrafo acima consta no inciso XVI do artigo 5º da Constituição Federal e é dele que deriva o direito de ocupar espaços públicos, como ocorre com protestos de rua. Goste-se ou não, trata-se de um pilar básico da democracia liberal que rege nossa sociedade.

Certas interpretações, porém, costumam questionar a semântica da expressão “prévio aviso à autoridade competente”. Afinal, estaríamos falando de um ofício a ser entregue dentro um prazo definido a uma autoridade específica, ou algo menos formal bastaria, tal qual uma publicação em redes sociais, que poderia ser acessada por qualquer pessoa, inclusive membros do poder público?

São justamente essas perguntas que o Supremo Tribunal Federal (STF) buscará responder durante o julgamento, marcado para esta quarta-feira (4), de um recurso movido pela Coordenação Nacional de Lutas, pelo Partido Socialista de Trabalhadores Unificados e pelo Sindicato dos Trabalhadores Petroleiros de Alagoas e Sergipe.

O evento será o desfecho de um processo judicial iniciado em abril de 2008. Naquele mês, manifestantes fecharam um trecho na rodovia BR-101 durante um protesto contra o governo federal. A ação ocorreu a despeito de uma liminar que proibia a realização do ato pela ausência do “prévio aviso à autoridade competente”.

Para os organizadores do protesto, porém, a exigência havia sido cumprida, uma vez que a imprensa já havia publicado notícias a respeito da ação antes que ela ocorresse. Por descumprir a proibição, cada uma das organizações envolvidas no episódio acabou multada em R$ 20 mil. Recursos a tribunais superiores seguiram-se à decisão, até que a demanda chegou à mesa do ministro Marco Aurélio de Mello, que resolveu aceitar apreciá-la sob a justificativa de se tratar de um “caso paradigmático”.

Diante das possíveis implicações do julgamento, um grupo de entidades de direitos humanos passou a acompanhá-lo de perto. Todas temem que uma eventual decisão que estabeleça exigências formais para uma manifestação possa levar à necessidade de “autorizações prévias”, distorcendo completamente o que prevê o artigo 5º da Constituição.

Como contra-argumento, as entidades defendem que publicações em redes sociais podem ser vistas como uma forma de “prévio aviso”, uma vez que a internet é hoje o principal espaço para a convocação de manifestações.

Há ainda que se considerar a ocorrência de protestos espontâneos, convocados sem grande antecedência, o que dificultaria a formalização de um ofício junto a um órgão público, e ainda aqueles organizados de forma horizontal, cujo trajeto é decidido pelos manifestantes já nas ruas.

Por tudo isso, o julgamento desta quarta-feira é chave para o futuro dos direitos à liberdade de expressão e de reunião no Brasil. A depender da decisão a ser tomada pelo STF, a ocorrência de protestos de rua nas cidades brasileiras pode ficar sujeita à aprovação de governos, o que abriria portas para mais repressão policial, mais imposições de multas pelo Judiciário e, por consequência, uma queda drástica no número de manifestações.

Tal cenário representaria um grande baque para os alicerces de uma sociedade verdadeiramente democrática à qual muitos de nós aspiramos para o país.

Carlos Weis é coordenador do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo

Cristiano Ávila Maronna é advogado, é presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim)

Camila Marques Barroso é advogada, é coordenadora do Centro de Referência Legal da Artigo 19

 

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