Por Daniela Skromov, Rafael Custódio e Camila Marques

A 3a Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo pode fazer nesta terça-feira (12/4) o que nem o Executivo, nem o Legislativo e nem mesmo o Ministério Público, apesar de ser sua incumbência, tiveram a coragem de fazer: impor limites à violência da Polícia Militar em protestos. Não se trata, como já disseram alguns, de atar as mãos da corporação, mas de preencher um vazio normativo que acaba com a previsibilidade e com a transparência das operações.

A decisão estará nas mãos dos desembargadores Maurício Fiorito (relator do caso), Camargo Pereira e Antonio Carlos Malheiros. Eles vão julgar a manutenção ou não de uma decisão liminar de primeira instância que, entre outras coisas, restringe o uso de armas menos letais (categoria que inclui balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral), proíbe a presença da tropa de choque em manifestações e determina que o governo paulista crie normas para a atuação da PM em protestos.

A ação foi aberta em 2014 pela Defensoria Pública de São Paulo a partir das incontáveis evidências de abusos das tropas durante os protestos de junho de 2013. Desde então, a tese da defensoria foi endossada por dois amici curiae – uma espécie de parecer jurídico – da Conectas Direitos Humanos e da Artigo 19.

O argumento das entidades é bastante simples: a PM não respeita parâmetros legais, nacionais e internacionais, sobre o uso da força em protestos e, na falta de uma legislação específica e de um controle efetivo por parte Ministério Público, o Judiciário deve intervir para garantir os direitos à reunião e à liberdade de expressão – descritos na Constituição Federal de 1988, na Declaração Universal de Direitos Humanos e na Convenção Americana de Direitos Humanos e considerados dois dos mais importantes pilares da democracia. Hoje, a única normativa disponível sobre o uso da força pela PM em protestos são os chamados Procedimentos Operacionais Padrão, que são secretos e sabidamente desrespeitados.

Antes que a Secretaria de Segurança Pública (SSP) alegue que a decisão da Justiça limita o trabalho da polícia, é importante dizer que as normas seriam desenhadas pela própria pasta – embora, evidentemente, respeitando as melhores práticas e garantindo o exercício de direitos constitucionais.

Tampouco pode a SSP afirmar que a ação não é o caminho para debater esse tipo de assunto. Antes do processo, algumas organizações da sociedade civil, entre as quais, a Conectas, a Artigo 19 e a própria Defensoria Pública, por meio de seu Núcleo de Direitos Humanos, enviaram ao então secretário Fernando Grella um conjunto de propostas e recomendações a fim de contribuir com o desenho de parâmetros para a ação da PM em protestos. Os aportes, no entanto, foram solenemente ignorados pelas autoridades paulistas, ensejando a ação judicial

Trata-se de um litígio de interesse público, que possui elevada relevância social e histórica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas, além de ser uma expressão da plenitude do Estado Democrático Constitucional brasileiro, cuja consolidação se busca desde o fim da ditadura militar, apesar da resistência por parte das instituições policiais paulistas.

As ruas do país não foram tomadas pela primeira vez em 2013 nem deixaram de estar desde então, mas o governo de São Paulo segue sem resolver a repressão arbitrária e ilegal de manifestações. Que os desembargadores saibam usar a oportunidade aberta por esse caso para definitivamente colocar limites à repressão.

 


Daniela Skromov – Coordenadora do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo

Rafael Custódio – Coordenador do programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos

Camila Marques – Coordenadora do Centro de Referência Legal da Artigo 19