Por Camila MarquesMariana RielliPedro Teixeira

Está na pauta do Senado para votação nesta terça­feira (27/10) o projeto de lei (PL) 101/2015 (originalmente PL 2016/2015, de autoria do Poder Executivo), que pretende criar o crime de terrorismo. Após rápida tramitação, o projeto foi aprovado pela Câmara no mês de agosto, com um resultado mais ameno do que a proposta original. Nesta, previa­-se penas de 12 a 30 anos para quem praticasse atos definidos como terroristas, que inicialmente eram ”aqueles motivados por “razões de ideologia, política, xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou gênero” e que tivessem por finalidade “provocar o terror, expondo a perigo a pessoa, o patrimônio, a incolumidade pública ou a paz pública ou coagir autoridades a fazer ou deixar de fazer algo”.

Após intensa mobilização da sociedade civil, que viu na proposta muitas brechas para a criminalização dos movimentos sociais e do direito à manifestação, as motivações “ideológica” e “política” foram retiradas do texto, assim como excluiu da abrangência da lei “manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios”. Remetido ao Senado, a relatoria do projeto ficou a cargo do senador Aloysio Nunes, que, no dia 21 de outubro, apresentou seu relatório com substitutivo, texto que irá ao plenário após modificações substanciais em relação ao que foi aprovado na Câmara dos Deputados.

Uma análise do documento apresentado já revela seu caráter nocivo ao direito à livre expressão e manifestação, uma vez que, além de reintroduzir elementos que haviam sido retirados da outra proposta após forte rejeição por parte da sociedade civil, também insere outros dispositivos bastante restritivos.

O QUE MUDA E QUAIS SÃO OS PROBLEMAS
A proposta do substitutivo do senador Aloysio Nunes tem como mote a plena adequação da futura ”Lei Anti­terror” a princípios democráticos, argumento reiterado durante a justificação. Entretanto, o resultado não corresponde a tal expectativa. Aumentam­se as penas para as condutas previamente definidas, além de se reinserir a motivação de caráter político, na forma de ”extremismo político”, isto é, aquele que ”atentar gravemente contra os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito”. Trata­se de redação pouco precisa e que reintroduz ampla insegurança em relação à possibilidade de criminalização de movimentos sociais e de manifestações. . Para corroborar tal insegurança, o parágrafo que explicitamente excluía os movimentos sociais da caracterização dos atos terroristas foi retirado do novo documento.

Além disso, a proposta também criminaliza o ”terrorismo contra coisa”, materializado na provocação de terror generalizado por meio da destruição de ”bem ou serviço social”. Trata­se da conduta já caracterizada como crime de dano, acrescida dos mesmos elementos que compõem o ”terrorismo contra pessoa”. O problema, novamente, é que tais elementos, além de pouco precisos, dão margem a interpretações muito desfavoráveis à liberdade de expressão e ao direito à manifestação. Por fim, a nova proposta também mantém conceitos abertos como ”apologia ao terrorismo”, que pode se aplicar a diversos tipos de manifestação, faltando critérios claros para defini­lo e possibilitando a criminalização de discursos legítimos, em especial por meio da internet.

VISÃO INTERNACIONAL E CRÍTICAS
A criação de leis específicas com o intuito de coibir práticas terroristas é iniciativa recorrente em boa parte dos países do mundo, ainda que cada um possua um contexto distinto. Entretanto, desde que esses processos se intensificaram, com os atentados ao World Trade Center, em setembro de 2001, organismos internacionais vêm alertando para a cautela necessária na elaboração de tais documentos, questionando, inclusive, até que ponto seriam necessários e eficazes. Ambas OEA e ONU já se pronunciaram firmemente no sentido de que quaisquer leis que visem ao combate ao terrorismo devem respeitar todos os documentos e convenções internacionais de direitos humanos.[1][2][3]

O caráter excessivamente amplo dessas leis, como se observa na proposta do PLC 101/2015, faz recair sobre grupos que tradicionalmente se manifestam politicamente e já são alvos de repressão o peso de uma potencial criminalização com efeitos ainda mais graves. A inclusão da motivação política, assim como a ausência de ressalva quanto aos movimentos sociais na proposta apresentada pelo senador Aloysio Nunes contribui para essa situação de insegurança.

Além disso, uma crítica recorrente no âmbito internacional em relação a leis ”anti­terror” é a sua criação a despeito da existência de muitas leis vigentes que já punem as condutas descritas. A lei que se busca aprovar no Brasil não cria nenhum crime novo ­ o país já possui dispositivos em seu ordenamento que permitem a punição de práticas como dano, incêndio, explosão, e seu uso é preferível à edição de um novo documento com potencial lesivo a direitos fundamentais e incerteza quanto à sua efetividade.

Diante de um contexto de crescente criminalização dos protestos sociais desde 2013, a preocupação de que essa lei venha a dar maior respaldo a esse tipo de situação é bastante realista.

Por isso, a sociedade civil segue pressionando pela rejeição do projeto e para que a discussão sobre a necessidade e termos de uma eventual lei seja realizada de forma mais democrática e transparente junto à sociedade, dada sua complexidade e importância. Da mesma forma, deve agir a comunidade jurídica, mobilizando­se para impedir que tal lei, a pretexto de combater o terrorismo, contribua para o incremento do processo de criminalização de movimentos sociais e protestos, e, consequentemente, para o cerceamento dos direitos e liberdades fundamentais.

 


 


 

Camila Marques – Advogada do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da ARTIGO 19

Mariana Rielli – Atua no Centro de Referência Legal da ARTIGO 19

Pedro Teixeira – Atua no Centro de Referência Legal da ARTIGO 19