Por Camila Marques e Pedro Teixeira

Quando se pensa em repressão e criminalização dos protestos e de manifestantes, a imagem mais comum que nos vem são as forças de segurança, especialmente a Polícia Militar, utilizando bombas,  balas de borracha, cassetetes e também prendendo manifestantes.

De fato, este é um dos grandes problemas à efetivação do direito de protesto, que é um direito fundamental. Ocorre que esta não é a única forma de se limitar os protestos e criminalizar manifestantes.

Recentemente, a ARTIGO 19 lançou o relatório “As Ruas Sob Ataque”, em que foram monitorados 740 protestos nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro entre janeiro de 2014 e junho de 2015. Para além das ruas, o relatório demonstra que a criminalização ocorre institucionalmente nos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

No âmbito do Executivo, foram realizados inquéritos policiais que tinham como suposto intuito a investigação de crimes ocorridos nas manifestações, como dano ao patrimônio, porte de explosivos e associação criminosa. O desenrolar destes inquéritos – cujo mais emblemático é o que investiga 23 ativistas no Rio de Janeiro –, entretanto, demonstra que muito além de investigar supostos crimes, eles buscam mapear manifestantes, encontrar supostas lideranças e estabelecer conexões entre manifestantes e entre coletivos ou movimentos.

Ainda no âmbito do Executivo, o Ministério da Defesa expediu em janeiro de 2014 uma portaria aprovando a publicação chamada “Garantia da Lei e da Ordem”, que prevê a utilização das Forças Armadas em operações de segurança pública. O documento, elaborado com vistas à realização da Copa do Mundo FIFA, inicialmente chegava a enquadrar movimentos e organizações sociais e também manifestações populares como “forças oponentes” do Estado e das Forças Armadas, equiparando-os, por exemplo, a contrabandistas de armas e munições.

No final de junho de 2015 os Ministros da Justiça e da Fazenda propuseram ao Congresso Nacional um projeto de lei (PL) sobre terrorismo, definindo organizações terroristas como aquelas que atuam, entre outras razões, por motivos ideológicos ou políticos, o que levaria facilmente ao enquadramento de  movimentos sociais como “organizações terroristas”. Após pressões  da sociedade civil, o PL foi aprovado na Câmara retirando a motivação ideológica e política. Porém o texto não deixa de ser problemático, merecendo minimamente um amplo debate em conjunto com a sociedade. Contudo, o projeto está tramitando de maneira muito rápida, atualmente está no Senado e deve ser votado em breve, pois tramita sob regime de urgência.

Por sua vez, o Poder Legislativo, sobretudo por conta da realização da Copa, teve intensa movimentação em torno de projetos de lei que criminalizavam manifestantes, proibiam o uso de máscaras em protestos, aumentavam as penas de crimes cometidos em protestos, entre outros.

O trâmite destes projetos – geralmente apresentados às pressas em reação a algum acontecimento pontual – ocorre de forma acelerada, atropelando discussões sérias e gerando riscos de aprovação de projetos incongruentes com os princípios penais do direito brasileiro e com as garantias constitucionais. Nesse mesmo período, as casas legislativas estaduais e municipais também foram responsáveis pela aprovação de projetos de lei que criminalizam o direito de protestos.

Por fim, o Poder Judiciário também teve um um papel central na criminalização de manifestantes e na reiteração e legitimação de práticas criminalizadoras advindas dos outros Poderes, ao invés de realizar um controle de legalidade de tais práticas.

O Judiciário condenou pessoas no período, como o morador de rua Rafael Braga, do Rio de Janeiro, condenado a quatro anos e oito meses de reclusão pelo porte de água sanitária e produtos de limpeza, que supostamente seriam explosivos – apesar de o próprio laudo pericial demonstrar sua mínima aptidão – e ainda o militante gaúcho, José Vicente Mertz, condenado a um ano e seis meses – pena que foi substituída por prestação de serviços comunitários – por ter supostamente deteriorado a porta de um prédio público.

Agiu ainda expedindo mandados de busca, de prisões, de quebra de sigilos telefônicos e de dados de navegação na internet de manifestantes, todos baseados em frágeis acusações. Também foi por meio do Poder Judiciário que se realizaram impedimentos ao direito de manifestação como a determinação de interdito proibitório contra o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, proibindo que bloqueassem rodovias para se manifestar.

O Estado brasileiro, portanto, no período de 2014 até junho 2015, intensificou a repressão e criminalização aos protestos, tanto nas ruas, com a aquisição de novos equipamentos e utilização de novas táticas, quanto nos gabinetes dos três Poderes.

Espera-se, e devemos cobrar do Estado, que este mude suas práticas criminalizadoras e passe a cumprir seu papel de garantidor dos direitos humanos e direitos fundamentais, como o direito de protesto. A  comunidade jurídica deve, portanto, estar atenta e acompanhando o andamentos das ações do Estado, sobretudo no Judiciário e Legislativo, e pressionar para que as garantias constitucionais não sejam atropeladas.

 


Camila Marques é advogada do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da ARTIGO 19. Formou-se na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Recentemente, cursou um semestre como ouvinte na disciplina de Direito Internacional na Ludwig-Maximilians-Universität München (Alemanha).

Pedro Teixeira atua no Centro de Referência Legal da ARTIGO 19. Bacharel em direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Universidade de São Paulo (USP).